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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis (2012)

Les Misérables, 2012

Direção: Tom Hooper. Com: Hugh Jackmam  Anne Hathaway  Russel Crowe, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen. 
Nota: 7.5

A vida matou os sonhos de muitos durante os exasperantes anos de declínio social após a alardeada Revolução Francesa espalhar pelas ruas de Paris, condados e colônias fome e miséria entre a maioria que vivia as consequências da intensa reforma política no século XIX. Deste triste capítulo da história parte a incrível história de Les Misérables, clássico do renomado escritor Victor Hugo. A obra publicada em 1862 de tão rica merecia mesmo uma adaptação visual para uma maior interação com o público. Nos palcos da Broadway nos anos 80 ganhou forma e não agradou grande parte da crítica, que considerava a obra com uma temática muito densa para se tornar um musical. Claude-Michel Schönberg e Alain Boublil responsáveis pelo roteiro e as letras de Herbert Kretzmer foram consagradas pelo público se estendendo para mais relevantes casas de espetáculos da Europa.

As ramificações da história seguiram seu curso natural em Hollywood. Da Broadway para as telas do cinema. E o responsável é o premiado diretor Tom Hooper, que aqui traz muito a essência dos palcos, dando ênfase justificada a expressão "teatro refilmado". Talvez este seja o motivo do enorme êxito na atuação de Hugh "Volverine" Jackmam  que emprega totalidade às várias emoções na face e na voz de seu protagonista. Jackmam vive Jean Valjean, um dos muitos miseráveis que convivem com as injustiças de um governo autoritário e por deveras inquisidor na personificação do Inspetor Javert (Russel Crowe).  Por roubar um pedaço de pão, vai parar numa prisão de escravos e vive duas décadas de  agressão física e moral. Em liberdade condicional, o 24.601 se rebela, muda de identidade iniciando sua saga de idas e vindas do céu ao inferno. Constrói sua nova história em cima da misericórdia de um padre, que não o denuncia por ter roubado a prataria da Igreja. Uma bênção para recomeçar com o lema de ser um homem justo e honesto.

Sob esta bandeira ele se torna Prefeito de uma das muitas cidades corroídas pela miséria onde a desesperança é fracionalmente erradicada pelas suas ações como dono da fábrica onde trabalha a jovem Fantine (Anne Hathaway), cuja vida de angústias é atenuada pelo fato de ser mãe solteira. Impedida pela lei moral de ganhar o seu sustento, Fantine é jogada nas ruas e passa a se prostituir para manter à distância sua filha criada e maltratada por um inescrupuloso casal de trambiqueiros (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen). O tormento infernal da jovem operária poderia ter sido evitado se o medo da prisão não atormentasse os pesadelos do Prefeito Valjean, que nada pôde fazer a respeito pela presença no estabelecimento do sisudo Javert, que ignorava a nova identidade do seu fugitivo.

Quando a reencontra em meio aos muitos rostos de resignação de belas moças no prostíbulo, Jean faz o que deveria ter feito na época. A toma nos braços levando-a para cuidados médicos. Fantine, em seu leito de morte, ouve a promessa de seu algoz/salvador que irá ser o protetor de sua filha. Jean paga a liberdade de Cosette ao casal de vilões e juntos seguem fugindo durante anos da obsessão implacável de Javert e sua bandeira da lei. Tempos depois, a revolução popular ganha força na ala estudantil onde jovens usam a rebeldia por uma grande causa. Um deles é Marius (Eddie Redmayne) que não vence a batalha armada, mas conquista o coração da agora adulta Cosette (Amanda Seyfried). Unidos pelo amor , mas separados pelo destino de suas lutas pessoais, os jovens só conseguem ter um final feliz graças a intervenção de Valjean, que se une a Revolução e salva a vida de Marius em prol de sua filha adotiva.

Esta versão cinematográfica assim como a saga de Valjean é uma montanha-russa. O roteiro tão promissor em sua síntese histórica se enfraquece diante da falta de ritmo na narrativa, bem visível especialmente após a morte de Fantine. Ouso dizer neste caso, que a personagem de Hathaway era a alma do filme. De onde provinha empatia instantânea e envolvimento emocional com o espectador, bem de onde se deu o surgimento da importante, porém incoesa, ligação entre Valjean e sua filha Cosette. A partir dali o que se viu foram momentos de emoções díspares entre as sequências. Ora um apanhado de cenas fortes e inesquecíveis como a último suspiro da revolução com as mortes heroicas do pequeno Gavroche (Daniel Huttlestone) e de Epónine (Samantha Barks), personagens menos relevantes, mas que conseguiram arrepiar e arrancar mais lágrimas do que a ideia e o estrondo da Revolução em si. A redenção de Javert que depois de muitos anos de perseguição, morre se questionando sobre o lado em que deveria estar e admirando seu lendário oponente, depois que este o teve em mãos para a esperada vingança e assim mesmo o deixou viver entendendo seu trabalho por justiça. Momentos impecáveis que destoam da entediante relação entre Valjean e Cosette, que de tanta fuga no roteiro, o público se perde não se situando o espaço em que se encontra os personagens. O romance inoportuno entre a mesma e Marius, desestabilizando o foco principal do filme e o que é pior, ceifando a importância da personagem e da excelente Amanda Seyfried. Não há química entre o casal que não convence em sua paixão arrebatadora, tornando-se algo dispensável num filme de quase três horas de duração. O jovem Redmayne só foge do desastre total pela essência do lado revolucionário. Seus colegas Bonham Carter e Sacha Baron Cohen embarcam no mesmo navio da irrelevância. O casal de pequenas vilanias conseguem arrancar uma ou outra cena de risadas, mas sua inserção no filme na maioria das vezes é mais trágica do que cômica.

Sufocadas pelas canções, algumas cenas pouco exploram com mais propriedade o contexto do filme, destacando-se atuações solo memoráveis. Neste caso partindo do principio da força que o teatro exerce no papel de aflorar de modo mais eficaz as emoções. Anne Hathaway é a dona do filme, dominando cada quadro com sua voz eloquente e interpretação mesclando a dor de sua Fantine ao deleite de sua intérprete. Sua ausência deixa pobre o seguimento da obra, e seu retorno no final, fecha o espetáculo de sua presença em cena. Jackmam não decepciona e nos faz simpatizar por demais com seu herói em vários momentos. Crowe também surpreende. Seguro tanto na parte musical quanto na interpretação de seu antagonista. Daí se dá a parte boa do filme, que adaptado de uma peça teatral tem nisso a âncora da obra cantada sem os playbacks. Assim fica provado que os críticos da Broadway não estavam tão incorretos em suas avaliações. A carga dramática do contexto da ideia passada por Hugo é muito vasta e presente para ser exposta apenas em forma de canção, como descreve o comentário em 2001 de Joss Whedon, criador do memorável episódio "Este corpo", da quinta temporada de Buffy - a caça-vampiros: "uma música permite que você relaxe. Você tem que vivenciar o tédio da dor a cada segundo." 

Portanto, Os Miseráveis seria mais completo como obra neste campo se não fosse totalmente adaptado dos palcos. Tinha tudo pra ser um filmaço, mas não foi. Ele tem um início brilhante e um final arrepiante, entretanto falha tremendamente em sua conexão por entre estes espaços, de onde provém a parte considerável dos elementos característicos perfeitos para os palcos, maçantes para as telas.

Apesar destas disparidades, é correto afirmar que trata-se de um obra nem um pouco miserável, se formos levar em conta a produção caprichada, a fotografia que esmiúça os cenários realistas e os efeitos visuais impressionantes quando requisitados. Tom inovou e seu esforço é admirável neste sentido ao nos apresentar uma epopeia artística. De falhas determinantes sim, mas que no final desta Guerra de polêmicas, sai ilesa hasteando ao menos a bandeira da qualidade.

Um comentário:

  1. Falou tudo, os meios não justificaram os fins, nesse caso, entre o início e o final repletos de qualidade, muito canção, às vezes, desnecessárias. Mas a vontade de Hopper foi admirável e Anne Hathaway dá um verdadeiro show, e nem precisaria do lobby que começaram a falar...

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