The flight, 2012. Dirigido por Robert Zemeckis. Com Denzel Washington, Kelly Reilly, John Goodman, Don Cheadle e Melissa Leo.
Nota: 8.2
Vez ou outra pinta no
cinema um filme destes de volta por cima, de um indivíduo que via do
inferno ao céu, que conquista a bela garota e fica com ela no fim. E
assim dava a impressão que seria O Voo, um trabalho que joga as
cartas na mesa logo de cara, mas que não galga o caminho fácil,
previsível, e sim trava um sombrio duelo maniqueísta na forma de um
piloto que de herói passa a vilão, e de uma forma inusitada mostra
prova que um feito extraordinário pode ser operado por alguém que
não seja necessariamente um bom moço.
O capitão Whip Whitaker
(Denzel Washington) passa seus dias entre um voo e uma noitada regada
a bebidas e drogas, além, é claro, de estar sempre acompanhado por
mulheres. Em uma manhã de ressaca, que ainda consumiu mais vodca à
bordo, teve de fazer um verdadeiro milagre para salvar 96 vidas das
102 que estavam no avião, após uma falha mecânica. Entretanto,
enquanto a mídia o festejava como um herói, o sindicato dos
aviadores encontram álcool e drogas em seu organismo, podendo o
levar à prisão perpétua.
O roteiro escrito por
John Gatins é um dos grandes feitos do meio cinematográfico em
Hollywood. A forma como desvirtua a sequência consagrada de redenção
e glorificação, optando pela manutenção de Whip como um cidadão
politicamente incorreto durante todo o longa é rara. Mesmo que,
perante ao júri, mantenha pelo menos seu senso ético, seu
protagonista é complexo, que não aceita seus problemas e fraqueja
nas tentativas de cura. O envolvimento amoroso, Nicole (Kelly
Reilly), não é daqueles que aparecem para sofrer junto ou tentar
modificar o protagonista, pelo contrário, fica à mercê e não
assume a responsabilidade de cuidar do parceiro.
Robert Zemeckis gosta de
trabalhar com personagens peculiares, e sabe como direcionar sua
câmera para valorizá-los. Assim como fez com Tom Hanks em Forrest
Gump (94) e Náufrago (00), conduz Denzel Washington pela
história permitindo que o ator doe o que tem de melhor e eleva a
narrativa. O jogo de sombras, a presença do vício, do errado, dá a
impressão que o martírio do personagem é proposital, não casual.
Também como os protagonistas dos filmes citados, Whip é dotado de
feitos, no caso dele muito m ais espetacular, e deixados de lado, já
que o importante são os movimentos internos, o comportamento dele
frente as provações e as atitudes decisivas.
Depois de demonstrar
certo acomodamento na carreira após ter vencido o Oscar pela sua
brilhante atuação em Dia de Treinamento (01), Denzel
Washington desperta sua habilidade de transitar entre o bom e mau,
criando um meio termo que seria necessário para dar sentido ao
verdadeiro questionamento do filme. A aparição preciosa de John
Goodman como o amalucado Harling Mays representa o contrapeso, o mal
necessário, mas também o desiquilíbrio total.
Um longa interessante e
ousado, que justamente por se desvencilhar das máximas
cinematográficas óbvias pode não cair no gosto do público. Porém
se trata de uma visão, não pessimista, mas real, do verdadeiro
espírito humano de senso de moral. Mesmo que ainda perca um pouco de
seu brilhantismo no momento derradeiro, merece ao menos o
reconhecimento pelo bom trabalho.
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